Esse texto é sobre psicanálise, literatura e o que podemos aprender com elas. Kafka é um grande e importante autor. Seus textos são conhecidos e sua obra mais famosa se chama A Metamorfose, e é justamente sobre “A Metamorfose” que vamos falar hoje. Mas se atente, pois metamorfose vai ganhar vários sentidos e conotações, inclusive, se referir à obra de Kafka, que é o grande barco do texto de hoje.

A Metamorfose

Então, como falar daquilo que não gostamos? A metamorfose nos mostra, desde o início, a vida de um empregado comum, de uma família comum e de uma transformação comum. Samsa é um personagem do livro e para a sua infelicidade se transformou em um ser dito asqueroso, nojento, que tem uma casca grossa, várias pernas e que foi traduzido como um inseto popular e muito conhecido por ser sujo: uma barata.

Gregor Samsa acorda, em um dia que seria comum, como um grande inseto. Contudo, essa metamorfose não era esperada, afinal, ele seguia com a sua vida rotineira todos os dias. Trabalhava, passava as noites com a família e tinha uma rotina. Então, como foi transformado num grande inseto? Ou será que ele é que se transformou nisso? É importante localizar o papel de Samsa em sua própria narrativa, pois lendo a obra fica muito claro que ele não sabe como tudo isso aconteceu, mas que teve que, literalmente, se virar para poder sair da cama e tentar reestabelecer a sua existência, o que, desculpem o spoiler, não deu certo.

A coisa na qual ele se transformou, no livro, não poderia simplesmente se destransformar, pois a metamorfose seguiu um caminho tortuoso e nada capaz de executar um grande retorno à sua forma original.

Capítulo II

Samsa se sentiu e foi obrigado pela família e pelo patrão a se revelar, ele teve que dar as caras a alguém. E esse alguém era exatamente a família, o que nos mostra como o seio familiar é quem ou o que nos permite relacionar com o exterior a nós. O que faria Gregor se não pudesse contar à família? teria ele de sair para as ruas em sua nova forma? O conto não seria o mesmo se certos fatos ocorressem, mas também somos capazes de considerar que Kafka o escreveria de forma genial.

Então, existe o embate, a luta e mais uma vez o questionamento: como isso foi acontecer? e como pôde acontecer? A luta pode não ter sido descrita como tão feroz quanto batalhas épicas, mas, provavelmente, quando se é um grande inseto, o ser atingido por uma bengala pode ter sido realmente extremamente doloroso e mortal. O golpe foi muito forte e o atordoou e, literalmente, o nocauteou.

Nós, pessoas, se fossemos atingidos por uma bengala sentiríamos dor, mas possivelmente não a dor que o nosso protagonista sentiu, ainda mais a dor infligida pela família. Essas frases apoiam o sentido do texto, no qual o protagonista é o Samsa, mas e se o que está em jogo é outra pessoa? E o protagonista é exatamente o processo da metamorfose? Pode ser que seja ou não seja, e imaginar que a metamorfose é o principal da obra contribui diferentes perspectivas sobre o livro.

Capítulo III

Mais uma vez um spoiler sobre a obra. Gregor falece e sua família tenta seguir a vida da melhor maneira possível. Ele morre, e onde está o luto? Por que ele se tornou algo ou alguém tão fácil de ser esquecido? Seria tudo isso “somente” por conta da metamorfose que sofreu?

Além disso, Kafka nos presenteia com mais questões e um desfecho melancólico. O jovem Samsa, que seguia sua vida tão comum e de forma tão rotineira acaba falecendo, e sua família parece ter esquecido dele. É triste imaginar tudo isso acontecendo em uma família, e mais triste ainda quando nos colocamos no papel de Gregor.

A metamorfose seguiu um caminho sem igual; agressões familiares, incompreensão sobre a transformação, abandono, luto e sofrimento. Apesar de tudo isso, a obra possui apenas três capítulos e não permite muitas possibilidades de desfechos alternativos, e um dos motivos principais disso é a própria metamorfose no âmago de uma família comum. 

Afinal, foi uma metamorfose ou um destino aos tantos Samsas que existem? Kafka, como você pode ter nos deixado uma obra tão grande e reflexiva? É interessante perceber outras nuances da obra e buscar novos prismas para entender a metamorfose, pois ela é um processo, mas esse processo não é mostrado explicitamente no livro, pois ele “simplesmente” acorda numa manhã como o grande e asqueroso inseto.

Contudo, a metamorfose pode ter sido narrada exatamente quando ele descreve a vida dele antes de ter sido totalmente transformado.

Esse não é o fim

A obra foi encerrada, publicada, traduzida e chegou até nós. O papel, o material físico chegou, ok. E a mensagem chegou? Ou a vida nada contagiante de Gregor era apenas uma parte descartável do texto e poderíamos retirar ela que tudo seguiria bem?

Por fim, eu acredito que Kafka nos mostrou uma mensagem muito importante na metamorfose. E foi exatamente o que podemos estar vivendo agora, foi sobre viver para o trabalho, sobre vivermos presos em esferas, nas quais tudo parece relativamente bem, até que quando menos percebemos somos transformados ou nos transformamos em um ser horripilante. 

Todo santo dia as pessoas são cobradas pela produtividade, sempre o trabalho, a ansiedade no trabalho, o estresse no trabalho, os problemas no trabalho. A realidade material de Kafka difere em partes do que vivemos hoje. Mas ainda, não estamos sujeitos a essa metamorfose que consumiu a vida do jovem Samsa ? 

Conclusão sobre a metamorfose

Então, a grande ideia da obra pode ter sido exatamente mostrar como a vida cotidiana e comum pode nos corroer por dentro até um ponto em que a gente não se conheça mais, e ainda vamos continuar pensando sobre as mesmas coisas.

Vamos olhar para o espelho, enxergar o grande inseto e clamar pela vida cotidiana, como se fossemos obrigados a voltar ao “normal” que nos transformou em meros insetos, e para quê? para quem tudo isso? Se voltar àquilo poderá e irá novamente nos transformar em insetos. Grandes insetos para o trabalho, para a sociedade, para nós mesmos e até para a nossa família.

Você. Exatamente você: qual é a metamorfose que está vivendo e para o que ou quem está se transformando? Ou também irá acordar um dia e não se reconhecer no que se transformou? Talvez, seja exatamente sobre isso, sobre a metamorfose, e não sobre Gregor Samsa ou a família Sama ou sobre outra coisa, senão a própria metamorfose em todos os seus sentidos.

Tudo bem, a mensagem agora pode ter ficado bem clara, e onde está a psicanálise no meio disso tudo? Ela está exatamente na metamorfose. Pois a análise pessoal é também um grande processo que pode nos permitir viver da lagarta para a crisálida, e então a borboleta, ou até a mariposa, caso prefira. Se não nos atentarmos, podemos ser mais um Gregor Samsa, ou então escolher um outro caminho de vida. Essa é a metamorfose.

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