Suicídio. Essa palavra tem parecido cada vez mais próxima de nós, do que tempos atrás. Antes era como uma situação distante, que talvez você só tenha escutado (ou sentido a perda) porque grandes nomes da música e do cinema que você admirava, levaram ao fim a vida dessa forma, como na última semana em que milhares de pessoas lamentaram a morte por suicídio da estilista Kate Spade ou do apresentador e chef Anthony Bourdain. Agora, parece que mais pessoas guardam histórias de suicídio de algum ente ou amigo ou amigo de amigo, enfim, pessoas do nosso círculo de relacionamento, de que de forma tão inesperada cometeu o ato.

Mas você já se perguntou o porquê disso? Pois então, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, de 2015, o suicídio é responsável pela morte de 800 mil pessoas por ano, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos no mundo e a 1,4% dos óbitos totais, além de ser a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. É, não tente nem fazer mais contas, é alarmante, e com esses dados e projeções nada animadoras, nós precisamos sim, falar sobre suicídio.

Por esse motivo, hoje resolvemos trazer o tema para a nossa mesa de discussão e tentar de alguma forma te ajudar a conversar sobre esse assunto com as pessoas próximas a você, te apresentar informações relevantes e dar espaços de esperança de como cada um de nós pode contribuir para reduzir esses números.

Convidamos o psicólogo Rodrigo Correa, mestre graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), para nos ajudar com o tema, veja o que ele nos contou:

O que é o suicídio?

O suicídio é a morte da esperança e o sinal de que a vida não tem sentido. É o fator final de uma pessoa que não tem mais perspectivas positivas sobre o futuro e que por isso desiste de viver. Com poucas palavras para significar esse tema, parece que é uma questão simples, mas não é.

Segundo nosso especialista Rodrigo, “A vida tem a finalidade de um significado para um futuro. Ao cometer o suicídio, a pessoa não está buscando a morte, mas sim dar fim a essa vida sem perspectiva de um bom futuro. É a decisão de que viver é pior, diante das circunstâncias.”. Ele cita ainda a referência do filósofo Albert Camus sobre o tema, em que ele afirmava que o suicídio é a questão fundamental da filosofia, porque se trata de se decidir se a vida vale a pena ou não. É um juízo de valor acima de tudo.

Eis a questão

Do ponto de vista clínico, Rodrigo nos traz que o que faz as pessoas pensarem no suicídio é o quanto um sofrimento é capaz de ser suportado.  “A escolha de tirar a vida é uma atitude de desespero, não tira a vida quem está em paz consigo ou quem ainda enxerga uma luz no final do túnel. O suicídio contempla a fuga. A fuga não é controlada por quem está fugindo, mas sim por aquilo que nos persegue”.

Falando em fuga e tentando deixar essa questão do Rodrigo um pouco mais clara, vamos de exemplo. Imagina que você está caminhando pela rua e um cachorro bravo começa a correr atrás de você. Você, imediatamente e por instinto, irá correr e fugir. Se você consegue correr desse cachorro, você não vai pensar para qual local você vai. Onde se esconder. Ou qual melhor trajeto para escapar dele. Você escolhe se afastar independente do caminho percorrido para essa fuga. O ato suicida é exatamente como a fuga, não é a escolha da morte, mas sim do afastamento do sofrimento.

Quem?

O suicídio não é exclusivo a determinado grupo social, de gênero ou qualquer outra classificação. Ele pode acontecer com qualquer pessoa. Ainda segundo dados da OMS e levantando a diferença de gênero, as taxas de suicídio são maiores entre os homens do que entre as mulheres, mas isso não quer dizer que as mulheres não são tão impactadas. Na verdade, o estudo diz que duas vezes mais mulheres do que homens tentam cometer suicídio, mas nem todas conseguem fazer de forma letal, enquanto os homens conseguem.

No Brasil, 2,7 mulheres, por 100 mil habitantes, em 2015, morreram por suicídio, e os homens apresentaram quatro vezes mais registros, representando 9,6 por 100 mil habitantes. ”À primeira vista, esse dado pode estar ligado à dificuldade social que os homens têm, ou melhor, precisam demonstrar que tem, de serem ajudados por alguém e de demonstrar fraqueza diante dos demais. As mulheres são mais sensíveis e não têm tanto medo de expor sua dificuldade e de pedir ajuda.”, afirma Rodrigo.

Somos tão jovens

Tão grave quanto e como já citamos anteriormente, jovens entre 15 e 29 anos estão entre o principal público que comete suicídio. Dessa vez, dados oficiais do Ministério da Saúde, do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), afirmam que em 12 anos, considerando 2002 a 2014, a taxa de suicídio entre os jovens aumentou praticamente 10%.

“Adolescentes estão em período de transição de vida e de definição de uma identidade própria, de uma personalidade. Na infância, essas referências são mais bem definidas, por nossos pais e adultos próximos. Quando chegamos à adolescência percebemos que podemos desenvolver a nossa individualidade, muitas vezes negando o que foi transmitido anteriormente, a tão famosa rebeldia. E a convicção dessa nova identidade não é tão simples para eles quanto parece. Ela é confusa e precisa de aceitação dos demais da mesma idade. Se o adolescente não tem a certeza dessa identidade fica mais fácil o ato.”, coloca Rodrigo.

Jovens-adultos

Mas e os jovens-adultos, quais motivos teriam de tirar a própria vida na – talvez – melhor idade? Se você se perguntou isso, provavelmente você é um adulto. E você lembra como foi frustrante sair da faculdade e descobrir que o mercado de trabalho não era assim tão fácil ou disponível quanto parecia? Que talvez aquele seu romance de anos não deu tão certo e você é pressionado a já tão cedo dar conta de ter sua própria casa, uma profissão bem-sucedida, casamento, filhos,.. Pois é! A frustração também pode ser uma motivação, quando não há um amadurecimento emocional para saber lidar com ela.

LGBTs

Se você pensou nos LGBTs como um grupo de pessoas, que por todo desrespeito social, aceitação pessoal e sentimento de falta de pertencimento a um lugar (e mais), como fortes candidatos (as) a aumentar esses índices, você pensou certo. Mas a gente não precisa direcionar aqui. Pois, nesse caso, podemos falar de grupos sociais que são considerados minoritários, – não somos nós que estamos afirmando – e que sofrem diferentes tipos de julgamento e assédio, e que podem drasticamente transformar essa dor em suicídio.

Como perceber os sinais

Não tem uma regra para identificar sintomas em pessoas dispostas a cometer suicídio, mas Rodrigo lembra que “toda conduta persistentemente pessimista, ou seja, quando tudo é levado com tristeza, decepção e que nada vale a pena, e a ausência de vontade de fazer atividades antes tão prazerosas, podem ser sinais de que algo está errado.”. Para ele, as redes sociais podem mostrar muito mais do que estamos enxergando, pois é lá que nós conseguimos registrar pensamentos de insignificância, baixa autoestima e inferioridade, sem necessariamente abrir um diálogo. É uma mensagem sem remetente que pode dar muitos sinais.

Como posso ajudar?

Na verdade aqui queremos registrar duas ações que podem ajudar a abrir o diálogo tanto para quem pensa em cometer o ato, quanto para quem acredita que está próximo a alguém com essa capacidade.

“Para quem se encontra em tamanho desespero é relativamente mais difícil a iniciativa de buscar ajuda, pois, no mundo todo, os problemas emocionais são sempre colocados em segundo plano e tratados com insensibilidade. Nesse momento o suicida deve buscar apoio percebendo ao seu redor quem são as pessoas mais sensíveis, com capacidade de acolhimento e que possa lhe trazer o mínimo de esperança.”, afirma Rodrigo.

Para quem está próximo, Rodrigo reforça que é preciso uma dose alta de convicção para oferecer o mínimo de esperança. “É preciso se livrar de rótulos e julgamentos e se vestir apenas de compreensão, afeto e segurança. O acolhimento irá lhe fazer perceber o mundo afetivo em que a pessoa está vivendo e lhe proporcionará mais verdade e carinho para ajudar”, completa.

A mídia e o suicídio

Quando o suicídio vira pauta, como em mortes de celebridades ou em séries de TV, como a 13 Reasons Why, é preciso responsabilidade. Isso porque, conversar sobre o tema tão publicamente pode apontar a motivação pessoal como um ato heroico ou ridículo. Rodrigo nos lembra o efeito que um livro trouxe para a Europa no Séc. XVIII, com uma onda de tentativas de suicídios, “O livro de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, mostrava o suicídio cometido pelo personagem principal como um ato de heroísmo ao amor. Na época, diversas pessoas cometeram o mesmo ato espelhando-se na obra. Essa demonstração do lado corajoso do suicídio tende a promover novos casos.”.

Por que precisamos falar de suicídio?

Talvez não esteja claro para toda sociedade o problema real que vivemos, mesmo com casos tão próximos ou tão midiáticos que impactam nosso dia a dia. O suicídio é um problema social como bem lembra Rodrigo: “Precisamos falar sobre suicídio, pois hoje mais gente morre no mundo pelo suicídio do que por assassinato. Se a violência urbana é preocupante e pedimos segurança, e o suicídio mata mais que os homicídios, isso é contundente o suficiente para que as pessoas se preocupem”, finaliza.

Onde encontrar ajuda?

Psicólogos, psiquiatras e psicanalistas são as principais fontes dessa ajuda. Há também outros serviços voluntários como o prestado pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), fundado em 1962, que é uma associação civil sem fins lucrativos que presta apoio emocional e de prevenção do suicídio, com uma equipe treinada e especializada, para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob sigilo e anonimato. O telefone para contato é 141 (para os estados da Bahia, Maranhão, Pará e Paraná) ou 188 (demais estados).