No texto “Luto e melancolia”, o psicanalista Sigmund Freud explora a noção da perda. A característica mais marcante apresentada pelos melancólicos é a insatisfação consigo próprio e as auto-acusações destrutivas que se faz a si mesmo publicamente, como se sentisse culpado da morte ou do abandono do ente amado. Freud descobriu o mecanismo em jogo na melancolia: as recriminações são internamente dirigidas ao ser amado que nos deixou – mas que, por força das circunstâncias, não podemos assumir – e por isso, são deslocadas para nós mesmos. Assim, a perda do ente querido, na realidade, num nível mais profundo, significa, simbolicamente, uma espécie de ‘perda do eu’, para a psicanálise, ou ainda: já que não podemos bradar contra quem nos deixou, bradamos contra nós mesmos.

Da melancolia ao luto
A origem do sofrimento melancólico situa-se na dependência desse outro que nos deixou, e isso garante a sustentação psíquica da melancolia. Na falta, no abandono ou no desprezo deste outro, o melancólico mergulha numa profunda crise narcísica, retorna à desilusão, acredita que é vítima do destino e que nada ou ninguém conseguirá ajudá-lo.  

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O luto, a fase seguinte e desejável nesse processo, se dirige para uma “renúncia” ou deslocamento do objeto perdido. Freud apontou o mecanismo da sublimação, isto é, o envolvimento com atividades que permitam ao paciente experimentar um prazer de natureza estética como um caminho para a elaboração da perda, embora reconhecesse que este mecanismo não estivesse disponível a todos.   

Novos significados
De qualquer modo, o trabalho psicanalítico ajudará a pessoa a se reapropriar de sua história, ressignificar as experiências e fazer um pacto com o desejo de viver. O mais importante é que o paciente descubra algo que mobilize o seu desejo, que possa retirá-lo do estado de queixa. O sujeito melancólico permanece preso a uma situação de inércia e negativismo que o torna vítima de uma pseudo-impotência. Diz o psicanalista francês Jacques Lacan que é preciso levá-lo a discriminar o que é da ordem da impotência e o que é da ordem da impossibilidade.  

 Sobre a autora:
*Realiza consultas psicológicas por vídeo-chamada no Zenklub