De acordo com os manuais psiquiátricos, a bulimia nervosa consiste em compulsões alimentares periódicas com excessiva ingestão alimentar, em um período limitado de tempo. Ela é seguida de uma sensação de perda de controle sobre os impulsos e acompanhada de métodos compensatórios inadequados a fim de evitar o ganho de peso.
Pode ser purgativa, quando há ocorrência de comportamentos como indução de vômito e o uso de laxantes ou diuréticos. Ou restritiva, na qual os mecanismos compensatórios consistem em exercícios físicos em excesso, dietas ou jejuns. Para que o diagnóstico seja confirmado, estes comportamentos devem ocorrer ao menos duas vezes por semana, durante três meses, de acordo com o DSM-IV ou uma vez por semana pelo DSM-V.
A compulsão geralmente é desencadeada por estados de humor disfóricos (ansiedade, depressão), estressores interpessoais, intensa fome após dietas ou sentimentos ligados ao peso, forma do corpo e alimentos. A despeito de a compulsão alimentar reduzir temporariamente a disforia, as autocríticas e o humor deprimido frequentemente ocorrem após as crises. A autoavaliação do sujeito está relacionada à forma e ao peso do seu corpo, que o leva aos métodos inadequados após os episódios de compulsões.
Em síntese, esta é uma narrativa bastante conhecida para quem padece ou conhece alguém que sofre deste transtorno e já buscou informações sobre o assunto. No entanto, não podemos ignorar que a singularidade do sujeito – sua história e seu tratamento e atendimento clínico – deve ser considerada soberana em relação à soma de seus sintomas.
Qual a relação da bulimia nervosa com a infância?
Os transtornos alimentares, regra geral, estão relacionados aos primeiros estágios da vida e do desenvolvimento da pessoa, afinal a alimentação constitui necessidade básica para sobrevivência do indivíduo. Contudo, tão fundamental quanto à nutrição temos a necessidade de relacionamento, nos tornamos sujeitos a partir das relações que estabelecemos com o outro.
Na clínica, podemos observar o sintoma como a expressão dos processos mentais inconscientes. Que nos transtornos alimentares está relacionada à oralidade, ou seja, a esses primeiros estágios do desenvolvimento, em que a não elaboração de conflitos e ansiedades se expressam através dos ditos transtornos. Na Bulimia Nervosa, a imagem fragilizada de si pode ser resultado da pessoa ter se sentido atendida apenas em suas necessidades biológicas e negligenciada em suas demandas psíquicas.
Entre os pacientes bulímicos existe em alguns uma ligação entre o ato de comer e um objeto que não tem relação com a comida, mas que se faz presente por intermédio dela ou por sua ausência – o tudo/nada. Tais pacientes podem muitas vezes apresentar dificuldades ou mesmo se recusarem a falar, a “colocar para fora”. A angústia pela falta da palavra está expressa em seu estado máximo, sentida em seu corpo, que acaba por ser o palco que representa suas emoções. Isso pode não ser claramente percebido por quem está padecendo no corpo, pois é através do seu sintoma que tenta resguardar a integridade do seu eu.
Muito além do medo de engordar
Na Bulimia Nervosa a angústia não ocorre apenas pelo medo de engordar; e o comportamento de hiperfagia, de comer em excesso, de forma descontrolada e de não conseguir reter isso remete a uma noção de vazio, de falta. Uma falta que pode estar tentando ser tamponada, mas o fato é que cada caso deve ser analisado de forma única.
Através do processo psicoterápico, busca-se os primórdios desses conflitos não conscientes e não elaborados, que levaram a pessoa a procurar no alimento ou em sua eliminação uma forma de alivio para o sofrimento psíquico, de modo que haja uma nova significação e elaboração. Dessa forma, espera-se que o corpo não recorra mais ao sintoma para encontrar alivio para suas angústias.