Vamos falar sobre suicídio e sobre o ato de dar um fim ao bem mais precioso: a própria vida. Nas palavras do escritor e filósofo francês Albert Camus, “O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou dez categorias. São apenas jogos. O primeiro é necessário responder”.

Suicídio: um tema tabu

Cometer suicídio está longe de ser um acontecimento extraordinário. Mesmo assim, você já deve ter reparado que pouco se fala sobre o assunto. E, quando sai alguma matéria, ela geralmente vem repleta de mistérios e situações não esclarecidas.

A verdade é que, mais do que qualquer outro tema polêmico, o suicídio tem uma característica bem peculiar: a palavra choca por si só. Não são apenas os familiares das vítimas que a silenciam, mas sim toda a sociedade. É como se a sua simples pronúncia já causasse espanto, tensão, vergonha.

Nada mais compreensível que ela seja evitada também pelos veículos de comunicação. A própria Organização Mundial da Saúde orienta. Em seu Manual para Profissionais da Mídia pede que o termo “suicídio” seja substituído por expressões menos simplistas.

Sentimentos negativos à parte, o seu significado continua carregado de importância, correspondendo a um problema de saúde pública em escala global. Um problema que acontece nas melhores e nas piores famílias. Que acontece repentinamente, e com pessoas que você nem imagina. Que acontece longe, mas também acontece perto. Tanto que seria até ingenuidade sua pensar que nunca poderia acontecer com alguém próximo.

Ainda assim, existe uma convenção profissional, uma espécie de acordo, que determina: suicídios não devem ser noticiados pela grande imprensa. São aceitos apenas casos bastante específicos nos quais o suicida foi uma personalidade pública. Outro exemplo é quando sua morte resulta em consequências sociais como de políticos.

O medo do contágio

Há razões práticas e compreensíveis para isso, como amenizar o provável sentimento de culpa dos familiares e amigos do morto. Além que que é necessário respeitar a privacidade da dor. Entretanto, o principal motivo por trás desse cuidado exacerbado está ligado à crença de que o suicídio pode ser contagioso. Como se o suicídio fosse transmissível aos suicidas em potencial.

Será?

Fica a pergunta: o suicídio (escrevemos um guia completo com tudo o que precisa saber sobre suicídio) deve mesmo ser entendido como um espetáculo sensacionalista e inspiratório, que não é necessariamente de interesse das outras pessoas?

A questão é complexa e tem atraído atenção de vários segmentos da população, sejam eles da imprensa, da filosofia e da própria área da saúde. Todos estão interessados em encontrar estratégias de prevenção, bem como em descobrir quando e como a mídia pode servir de meio de alerta a pessoas em situação de risco.

Sem dúvidas, está claro que a publicação de matérias que lidam com questões ligadas à vida e aos sentimentos humanos atingem o público. Porém, a dimensão do impacto depende decisivamente da maneira pela qual os fatos são noticiados. Em outras palavras, o aumento dos casos de suicídio não é consequência de se falar sobre ele, mas sim da forma como o assunto é tratado.

Homicídio, suicídio, ou seja lá qual for o teor mórbido da notícia, a influência de fato existe. É inegável. Tudo que aparece publicado na imprensa, logo acaba ganhando vida fora dos jornais. Entretanto, não existe receio nem indecisão por parte dos comunicadores quanto à veiculação de práticas igualmente “inspiratórias”, como o assassinato e o abuso sexual, por exemplo.

Uma questão de saúde pública

Acima de todos possíveis critérios de noticiabilidade, tirar a própria vida é uma questão de saúde pública que necessita atenção. Está comprovado que a grande maioria dos suicidas dá algum sinal antes de cometer o ato. Por essa razão, reportagens são fundamentais para que familiares e especialistas estejam atentos e auxiliem a quem precisa.

Canais de comunicação podem – na realidade, devem – funcionar como um potencial meio de prevenção ao suicídio.

Como falar mais alto sobre suicídio?

Divulgando matérias que tragam informações sobre perfis, atitudes e sintomas de risco, assim como os artigos publicados pelo Zenklub esta semana. Apenas dessa forma, familiares e amigos de possíveis suicidas estarão aptos a reconhecer os pedidos de ajuda emitidos por essas pessoas.

Vale salientar que a postura da imprensa frente à morte intencional reflete, na realidade, o mal-estar de toda a sociedade diante do assunto. Isso porque, mais do que discussões éticas, os suicídios levantam questões perturbadoras, como a proposta por Camus, “se a vida merece ou não ser vivida”.  Contudo, não se trata de responder apenas a uma “questão fundamental da filosofia”, mas sim de reconhecer que para muitos a resposta é não.

É preciso dar voz ao suicídio. Divulgá-lo, explicá-lo, contextualizá-lo. O silêncio em nada contribui para a redução de casos. Pelo contrário, somente através de publicações responsáveis sobre o tema se torna possível uma mobilização das pessoas para combater o problema. Os veículos de comunicação devem estar cientes de que a mídia pode, sim, ajudar a salvar vidas.

Andrea Lontra
Jornalista formada pela PUCRS, com especialização em Marketing Digital
Andrea é blogueira e Mestra em Comunicação Online pela Universitat Autónoma de Barcelona.

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