Passar horas em aplicativos de encontro, desejar um relacionamento mais profundo,
não encontrar e sofrer por isso é uma demanda de muitos homens gays. Às vezes é
até fácil estabelecer encontros casuais que suprem momentaneamente uma
necessidade sexual mas não atende outras. Como estabelecer um relacionamento
significativo e profundo!?
Desafiando os padrões e construindo vínculos
Faz poucos anos que direitos básicos foram conquistados por pessoas LGBTQIAP+ no mundo e ainda são novas as ideias de casamento homoafetivo e famílias
homoparentais em nossa sociedade.
As pessoas LGBTQIAP+ não tem um roteiro de vida pré-definido como muitas vezes
é esperado das pessoas heterossexuais. Apesar dos padrões heteronormativos
passarem por modificações, há uma conserva cultural que norteia como um
modelo, mesmo que nem todos consigam ou queiram seguir.
Geralmente se espera que uma pessoa heterossexual namore, noive, case, tenha
filhos e etc. Já entre pessoas LGBTQIAP+ a falta de referência demanda um nível
maior de criatividade para traçar caminhos singulares sem um referencial pré-estabelecido.
Nesse contexto, é fundamental compreender os desafios específicos enfrentados por cada uma das letrinhas da comunidade e os desafios singulares de cada pessoa na busca por caminhos para construir relacionamentos autênticos e significativos.
Nesse texto falo de alguns enfrentados pela letra G, os gays.
A armadilha do descarte e a busca por satisfação imediata
Os homens são socializados a naturalizar a sua busca por satisfação sexual, muitas
vezes incentivados, diferentemente das mulheres que historicamente foram ensinadas a reprimir suas sexualidades e encarar a liberdade sexual como desonra.
Especialmente entre os homens gays, há uma oferta abundante de possibilidades sexuais nos aplicativos de encontro, nas saunas, nas boates e etc. Em meio a tanta oferta, é aprendido que sempre existe alguém “melhor” do que o anterior, o que pode sabotar a construção de relacionamentos duradouros e significativos.
Construir vínculo demanda tempo, foco e esforços mútuos e para isso é preciso
fazer escolhas e toda escolha pressupõe abrir mão de várias outras possibilidades. Mesmo em contextos não-monogâmicos é preciso constância no cuidado da relação para que ela se sustente com o passar do tempo.
A idealização e suas armadilhas
A idealização é um problema comum em quaisquer relacionamentos, mas tem
nuances específicas entre homens gays. Desde a idealização sobre o que é um relacionamento até o estabelecimento de critérios corporais e comportamentais, a expectativa de perfeição pode levar à frustração e ao distanciamento das relações reais.
Como fruto da homofobia cultural, muitos gays tendem a valorizar atributos do
padrão de homem heterossexual e alguns reproduzem essa homofobia em suas
escolhas. Muitas vezes buscam performar tal modelo de masculinidade padrão
heteronormativa e a rejeitar no outro outras masculinidades.
Por mais que cada pessoa tenha suas preferências, algumas delas são frutos de
uma construção social que privilegia atributos heteronormativos e cisgêneros em
detrimento de outras identidades. É preciso que nos questionarmos sobre o quanto
reproduzimos tais opressões e sobre o quanto isso tem impactado nas nossas
relações conosco e com os outro.
Uma relação é estabelecida quando escolhemos quem também nos escolhe. No
início, sob efeito da paixão, tendemos a perceber ou considerar no outro apenas
aquilo que converge com a gente. Com o tempo nossa capacidade de percepção é
restabelecida e começamos a perceber também as divergências e a relação é posta
a prova.
A partir de uma percepção real sobre quem o outro é, em uma relação onde ambas
as partes estão alinhadas em um mesmo projeto de relacionamento, é possível
estabelecer uma relação madura que oferece ganhos mútuos, tendo como base a
compreensão mútua e o respeito pelas diferenças.
Ninguém vai se encaixar totalmente nas nossas idealizações e nem deve deixar de
ser quem se é para se encaixar.
A importância do amor e do afeto
O amor e o afeto são necessidades humanas fundamentais, independentemente da
orientação sexual ou identidade de gênero. Reconhecer e satisfazer essas
necessidades é essencial para uma vida emocionalmente plena. No entanto, é
preciso estar disposto a conviver com as diferenças e escolher amar a pessoa como
ela é, não como gostaríamos que ela fosse.
É necessário também respeitar nossos próprios limites para evitar relações que
geram sofrimento apenas por medo da solidão. O motivo de escolher relacionar-se
com alguém deve ser a oportunidade de ter uma parceria em um projeto e não para
suprir uma carência que te impede de vivenciar boas experiências sozinho.
Construindo relacionamentos significativos com responsabilidade afetiva e
respeitando a singularidade de cada um, é possível adotar uma postura diferente
nas relações afetivas, baseando-se na responsabilidade emocional e no
comprometimento mútuo.
Escolher amar alguém requer curar traumas passados e desenvolver respostas
adequadas aos desafios cotidianos. A psicoterapia, por exemplo, é um caminho
valioso nesse processo, auxiliando na compreensão de padrões de comportamento,
na superação de dificuldades emocionais e na construção de relacionamentos
saudáveis e significativos.
Uma oportunidade crescimento
A solidão é um desafio real para muitos homens gays, mas também é uma
oportunidade de um crescimento pessoal significativo. Ao reconhecer a importância
do amor e do afeto, aprender a lidar com as idealizações e adotando uma postura
responsável nas relações, é possível construir relacionamentos genuínos e
satisfatórios.
O caminho pode não ser fácil, é preciso construir um roteiro singular, mas com
apoio psicológico e a coragem de se conhecer e evoluir, é possível transformar o
sofrimento da solidão em uma oportunidade de crescimento pessoal.
Espero que este texto possa ajudar na reflexão e no desenvolvimento pessoal
daqueles que se identificam com a temática da solidão do gay. Se você quiser
explorar ainda mais esse assunto ou tiver outras questões, estou aqui para ajudar.
O autor
Norberto Mesquita é psicólogo, especialista em psicologia humanista e
existencial, psicodramatista e especialista Zenklub. Com uma trajetória de ativismo
político na pauta de diversidade afetivo-sexual, pesquisas acadêmicas na temática e
experiência no atendimento a pessoas LGBTQIAP+, tem buscado auxiliar pessoas
em seus processos de desenvolvimento pessoal e emocional.