Mas a culpa é sempre da mãe!
A cada dia, testemunhamos mudanças incríveis na concepção sobre o que é família. Estas mudanças não fazem parte apenas de mudanças constitucionais, a citar de um lado o Estatuto da Família e, de outro, as mudanças nas diretrizes da Assistência Social. Mas também se referem à realidade social em constante mutação que estão vivendo.
Podemos perceber famílias constituídas das mais diversas maneiras, dentre elas, algumas que podemos citar: a nuclear – como já bem conhecemos – configuração tradicional de se constituir, formada por pai, mãe e filhos. As estendidas, baseadas na junção de demais pessoas à família nuclear, como avós e tios. As homoafetivas, com uma incidência cada vez maior devido aos direitos alcançados pelo grupo GLBT. As famílias reconstituídas e recasadas, fruto da reconstituição de núcleos familiares que passaram por divórcios, separações ou mortes. E, por fim, mas não menos importantes, as famílias monoparentais, foco da nossa conversa de agora
As famílias constituídas pelo chefe da família e os filhos está cada vez mais recorrente em nossa sociedade. Adicionado a isto, muitas vezes, estes chefes são estas. O número de famílias chefiadas por mulheres no Brasil cresceu de 22,2% para 37,3% nos últimos dez anos, segundo dados do IBGE de 2012.
Com certeza, você conhece muitas famílias cujo pai foi ausente durante o crescimento e desenvolvimento dos filhos, inclusive financeiramente, acarretando exclusivamente para as mães o papel não apenas de educar, apoiar e passar por diversas “barras” em períodos críticos como a adolescência, mas também de “bancar” com as mais diversas despesas da criação.
Independente de qualquer característica, mães chefes de família passam por uma série de dificuldades que compõem o ato de cuidar de um ou mais filhos. Mas podemos relembrar os agravantes à situação, como mães que vivem em estado de pobreza, adolescentes, infratoras, ou, pior, mães que vivem um compilado destas condições, acarretando sérios estados de vulnerabilidade.
A jornada tripla, brincadeira com um sério fundo de verdade, é uma realidade de muitas mães em diversas partes do mundo. Mulheres que devem trabalhar fora de casa, cuidar de suas casas, de seus filhos e de si (isso é possível?) são quase maioria no momento atual.
As lutas por um mundo mais igualitário no mercado de trabalho, diminuindo as desvantagens femininas em relação às masculinas, parecem avançar mais rapidamente que as mudanças para os sensíveis papéis de cuidar do lar e dos filhos, contribuindo para a sobrecarga das funções da mulher moderna.
As pressões sociais para ter uma carreira alavancada, hoje em dia, se assemelham ao ideário de que todas as mulheres são precedidas por um instinto maternal. Estas duas premissas são, apesar de quase forças opostas, exigências para a mulher moderna que deve ser ótima profissional, ótima mãe, além de firme, forte e se manter dentro dos padrões de beleza.
Considerando todas essas condições da modernidade e essas exigentes atribuições às mulheres, mais particularmente às mães modernas, cabe-nos a reflexão sobre os estigmas que recaem sobre as mães.
Quando nos deparamos com mães que deram alguma “escorregada” no que se espera delas (elevado conhecimento sobre maternidade, dedicação e disponibilidade profunda e sentimental pelos filhos), é extremamente comum que este deslize atraia olhos especialistas em cuidados de uma boa parte da sociedade.
Olhares que parecem ser provenientes de inúmeros peritos na “maternagem”, diferentemente da mãe supostamente faltosa no cuidado com seus filhos, que é taxada como uma pessoa negligente e descuidada. Exemplos como este têm sido cada vez mais comuns, nos quais a facilidade e rapidez do compartilhar de notícias e informações têm proporcionado fortes acusações pré-concebidas sobre o comportamento de pessoas comuns, as quais têm vivido na pele fenômenos que antes acometiam somente os famosos.
Tudo bem. Pode até ser que seja e que esteja sendo negligente. Mas a pergunta, na verdade, é: quem é que sabe cuidar perfeitamente de uma criança? E podemos ir além: A sociedade oferece condições para que os cuidados maternos sejam cada vez mais próximos do ideal? Ousaria dizer que não. Nem mesmo as pessoas que realmente palestram e traçam novas teorias a respeito do excelente cuidado aos filhos. Não quero dizer que não haja teorias de muita importância, que nos levaram a um processo de parentalidade atual muito mais respeitoso às etapas do desenvolvimento infantil, além de diversos olhares sobre a importância do afeto para o crescimento saudável e seguro das crianças. Mas acontece que cada criança é uma e mais: cada mãe é uma.
Antes mesmo de olharmos as faltas “inescrupulosas” das mães que estão por aí, podemos procurar, além de entendê-las, realmente disponibilizarmos a mão amiga. Cabe a nós, seja por meio de medidas do Estado ou por pequenas ações individuais – resultado do senso de cidadania e respeito ao próximo – criarmos condições para o exercício da parentalidade. Sendo este o maior desafio que os seres humanos enfrentam: é cuidar de alguém para que, muito além de sobreviver, deve ser uma pessoa segura, confiante, com alta autoestima para se relacionar bem com o resto do mundo, e, para, quem sabe, poder criar outros seres humanos.