Há um princípio filosófico que devemos a Aristóteles do qual é difícil discordar: “todo indivíduo humano e todos os seres humanos em comum visam a um fim, o que determina o que escolhem e o que evitam. Esse fim – para expressá-lo sumariamente – é a felicidade”.

Veja, na ideia de felicidade contida nessa máxima, está expressa a essência que dá sentido a cada conduta humana. Todos nós compartilhamos uns com os outros, em cada ato, esse mesmo traço fundamental, a saber, a necessidade de ser feliz.

Mas, é preciso admitir já agora, ainda no começo, que a felicidade é uma essência sem essência. Para compreender melhor essa contradição, precisamos pensar a felicidade de forma mais especulativa. A felicidade é, antes de tudo, um estado afetivo, mas, mais especificamente, é o estado afetivo que se impõe soberano sobre todos os outros, que vale mais que todos os outros e, portanto, que é a finalidade última de qualquer ação. Isso se torna mais simples à compreensão se colocarmos a felicidade no horizonte da ação. Cada escolha que fazemos é feita justamente na esperança de que a opção eleita seja, dentre todas aquelas preteridas, a que tenha maior probabilidade de nos aproximar da felicidade. Assim, a busca por felicidade, de forma refletida ou não, será sempre o critério com o qual elegeremos qualquer escolha.

Mesmo as decisões das quais mais nos arrependemos, continham em si, quando desconhecíamos as consequências que delas viriam, a promessa de serem as decisões mais felizes naquele momento, do contrário, não as teríamos tomado. Essa esperança constitutiva de cada ato, de cada projeto, é a essência que todos compartilhamos. No entanto, se a vontade de sermos felizes nos iguala, as formas com as quais atingimos momentos de felicidade nos diferenciam.

Por isso a ideia de felicidade é uma essência sem essência. Quando pensamos em um substantivo, por exemplo, uma garrafa, há um conjunto de características que definem aquilo que chamamos de garrafa, que constituem a essência do conceito garrafa: o formato, o material do qual é feito e a função a que serve são algumas dessas características. Se tentássemos, ainda que com todo o empenho, traçar os contornos objetivos da felicidade, fracassaríamos, porque estamos diante de um substantivo sem substância. Todos a querem, ninguém a possui. Não porque não podemos, eventualmente, alcança-la, mas porque não podemos aprisioná-la pela posse.

Felicidade é movimento, aprisionada, morre. Um raciocínio um pouco dramático, de fato, mas bastante verossímil. Pensemos um estímulo qualquer que nos afete com a alegria necessária para que sintamos naquele momento algo que se assemelha a isso que convencionalmente é chamado de felicidade. Esse estímulo, que pode ser uma notícia, uma refeição, uma presença que ao nos felicitar nos transforma, produz em nós uma afetação que nos diferencia daquilo que éramos no momento anterior, tal que o mesmo estímulo que há poucos instantes parecia conter em si a causa de nossa felicidade, agora, se ainda a contém, é em dose muito menos significante. Todo o teor felicitativo da piada mais engraçada que se possa ouvir existe na duração e no ritmo da gargalhada. Nela nasce, nela morre. Ouvida uma segunda vez a piada, percebemos que a felicidade é um movimento que perpassa os corpos e desaparece na afetação que produz.

Terapia é para quem quer se desenvolver

Se a estamos constantemente perseguindo, a felicidade, é forçoso admitir que ela esteja constantemente em fuga. Persegui-la, no entanto, nos define.

Veja, pela forma que a estamos descrevendo, a felicidade se assemelha a uma finalidade a ser alcançada, o objetivo máximo de qualquer ação, a matéria que constitui a própria intencionalidade e, portanto, a causa de todo movimento humano, pois, se conseguíssemos nos apropriar plenamente dela, a felicidade, se atingíssemos essa meta, que outra finalidade haveria que justificasse novas ações? Nenhuma, provavelmente. Permaneceríamos estáticos, por falta de razão que justificasse o movimento. Um estado em muito semelhante à morte. Felizmente, a felicidade não é alcançada em sua plenitude de ser. Porque ela nos escapa, a vida ganha o sentido de persegui-la.