Violência doméstica: a realidade de 13,5 milhões de brasileiras

Recentemente o país ficou chocado com a notícia de que a modelo Luiza Brunet entrou para a estatística de mulheres que sofreram violência doméstica e familiar. O caso aconteceu em Nova York. Após a agressão sofrida pelo empresário Luis Parisotto, Luiza tomou um avião e voltou para o Brasil.

De acordo com a modelo o empresário lhe quebrou quatro costelas e lhe feriu com um soco no olho. Na queixa feita junto ao Ministério Público, Luiza também forneceu mais de 20 imagens de hematomas a fim de provar agressões pregressas. Ao todo, estima-se que 19% das brasileiras com 19 anos ou mais já sofreram algum tipo de violência contra a mulher.

Esse fato é apenas uma pequena amostra dos casos que acontecem diariamente em lares do Brasil, em sua maioria nas famílias menos privilegiadas que a modelo. Privilégio financeiro, de atenção e segurança.

O abuso se dá em relacionamentos de qualquer ordem, como por exemplo, entre pais e filhos, chefes e funcionários, professores e alunos, padrastos e enteados, namorados, noivos, casados, figuras de autoridade e seus comandados, pessoas mais velhas exploradas por filhos, noras e netos.

Normalmente o abuso parte de pessoas que de alguma forma detém algum poder sobre o subjugado; seja por força, condição financeira, poder de comando, o que resulta em relações assimétricas. Tais comportamentos escondem questões psicológicas sérias, que necessitariam de cuidados profissionais.

Nas relações afetivas o abuso segue um padrão de morde e sopra. Um ataque seguido de presentes e desculpas, uma promessa de que o comportamento nunca mais se repetirá, e o que é pior, uma distorção dos fatos. Normalmente o abusador convence que a vítima foi a causadora do ocorrido.

As vítimas, aos poucos, vão se fragilizando. Não raro acabam acreditando que contribuíram de alguma forma para a situação de enfrentamento, e não percebem que perderam a capacidade de criar um distanciamento da situação, e sua percepção para desvelar a manipulação fica acobertada.

A prática de abuso obedece a uma escala crescente, de tal forma que a vítima demora a se dar conta da repetição no cotidiano.

Os relacionamentos não pulam de um estado de lua de mel para as agressões verbais e físicas. O histórico demonstra que são dados pequenos sinais de problemas no casal, sempre num crescente repertório de agressões.

Já ouvi casos que começaram por uma escolha de roupa que o parceiro considerou inadequada. Na discussão para que a mulher trocasse a peça, pela primeira vez ela percebeu uma mudança de humor completa no parceiro. Temendo que a noite ficasse pior, a mulher se vestiu com a roupa escolhida por ele. A partir daí só ele comprava suas roupas, inclusive as íntimas, ao gosto dele. Em seguida ela perdeu a independência para decorar a casa, pois segundo o marido, ela não tinha bom gosto. A cada decisão, o comunicado era acompanhado da explicação de que ela não tinha olhar para o que era bom, não tinha noção espacial para decorar, não contribuía financeiramente em valor que lhe desse direito a escolher, e que finalmente quem mandava na casa era ele.

Como resposta às queixas de que ela estava sentindo-se inútil, ele confirmava sua inutilidade e dizia que o melhor que ela podia fazer era se calar, pois ele já estava cheio de carregar peso morto. Nessa altura, a mulher só nutria sentimentos de menosprezo por si mesma, a autoestima totalmente prejudicada, já não podia mais se expressar nem nada reivindicar. Daí para um empurrão, um pegar no braço mais forte, foi um passo.  Um passo maior para o primeiro tapa, o primeiro soco e estava aberto o caminho para surras e ameaças de morte.

Diante de tanto desamparo, a vítima envergonhada e amedrontada percebe que não consegue sair da situação só e pede ajuda. Inicialmente pede a amigos, depois a família; nessa ordem porque normalmente a família também foi ameaçada.

Geralmente, a motivação para sair desse ciclo vicioso surge se a agressão atinge os filhos, e quando ela percebe estar no fundo do poço. Quando a mulher esgotou todas as possibilidades de mudança da relação, quando ela se dá conta de que isso não depende dela, quando ela finalmente se apropria da responsabilidade pela sua felicidade, é quando ela enfrenta todos os riscos para sair da situação. Nesse momento, que demora a chegar, a vítima se torna forte e o parceiro perde o poder sobre ela. Esse é o início de seu empoderamento.

Para que o relacionamento não chegue ao ponto extremo como visto, podemos extrair algumas características do perfil do abusador:

1 – apresenta rompantes de ciúmes e comportamento possessivo – mascarado de cuidado e proteção;
2 – não se reconhece assim, mesmo que apontado. Então nega ajuda de qualquer tipo;
3 – sempre culpa a vítima pelas brigas e ofensas;
4 – frequentemente desrespeita mulheres, idosos, crianças e pessoas vistas como mais fracas;
5 – quer exercer controle sobre tudo;
6 – se julga superior aos demais;
7 – manipula sentimentos e verdades;
8 – o discurso não combina com atitudes;
9 – muda de humor frequente e repentinamente; e
10 – muitas vezes se apresenta completamente diferente em ambiente de trabalho e entre amigos, o que suscita dúvidas quando a vítima denuncia o abuso.

O ideal é que as mulheres fiquem muito atentas no início do relacionamento ao comportamento do parceiro, evidentemente não há receitas nem radares que evitem a aproximação de um abusador, mas algumas sugestões podem ser apreciadas:

1 – não acredite que você é capaz de mudá-lo;
2 – não permita que seu parceiro escolha seu vestuário ou sua maquiagem, afinal de contas você o seduziu como é;
3 – não tenha pena de seus rompantes, ele não é seu filho;
4 – não confunda amor e cuidado com controle;
5 – não desculpe nenhuma agressão, ainda que verbal;
6 – denuncie qualquer agressão física;
7 – comunique rapidamente ao maior número de pessoas a agressão, o abusador espera que a vítima se cale;
8 – não se culpe, o culpado é o agressor;
9 – afaste-se de quem não lhe trata bem.

Não há seres humanos de baixa categoria, de menor qualidade genética ou de menor importância. Mas há seres humanos doentes, de mau-caráter e criminosos. Para uns ajuda profissional, para outros, polícia e a justiça.