A Redução de Danos (RD) visa minimizar os prejuízos sociais e físicos causados aos indivíduos pelas substâncias psicoativas (aquelas que alteram nossa consciência), pelo autocuidado com a saúde, promoção de direitos individuais e coletivos.

A RD teve origem na Inglaterra em 1926 com a indicação médica de opiáceos para dependentes de heroína, visando amenizar as crises de abstinência. No Brasil, a primeira experiência é datada de 1989, na cidade de Santos, com a distribuição de seringas para usuários de drogas injetáveis com o objetivo de conter a disseminação do HIV pelo compartilhamento das seringas. A partir daí, os resultados foram notórios pois os índices de infecção pelo vírus tiveram queda expressiva.

Pensamos em RD para pessoas que estejam em algum momento vulnerável da vida, seja ele físico ou emocional. Apesar disso, no Brasil a redução de danos ainda é uma política pública na qual ainda vejo muita discordância no âmbito da saúde, gerando a dicotomia abstinência versus RD.

Serei bem simplista para explicitar a diferença, utilizando-me de exemplos com as substâncias psicoativas. Assim que comecei a atuar com dependentes em 2002, tinha a visão “moralista” e enxergava o tratamento para dependentes apenas com a abstinência; se tratar é parar de usar álcool, drogas… Bem, se fosse tão simples assim, não precisariam existir locais para tratamento, certo? Além disso, pensem só nas frustrações de pacientes e terapeutas a cada recaída? O tratamento também seria padrão, desconsiderando as particularidades de cada indivíduo… suas histórias, suas angústias, seu lugar no mundo. Na verdade, penso que isso tão pouco importaria, uma vez que o objetivo seria “parar” o uso de quaisquer substâncias e ponto final! Ah, sim! Conjuntamente com o tratamento médico para controlar os sintomas físicos.

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Pois bem. Foi na prática mesmo que eu e minha equipe descobrimos que a abstinência não pode ser trabalhada como objetivo, apesar de poder fazer parte do objetivo do paciente. Apesar da clínica de dependência não ser fácil, quando começamos a sentir um incômodo trabalhando nessa abordagem, tivemos acesso ao “bebê” que ainda era a RD. E aos poucos fomos nos apropriando dela; não como algo imposto, mas como algo que começou a fazer muito sentido. E assim a clínica ficou mais “leve”. A equipe despiu-se da responsabilidade de fazer tal pessoa “parar” de usar, e começou a responsabilizar o paciente pelas suas escolhas, podendo ouvir seus objetivos, suas vontades, sua história e assim, trabalhar com ele pelos seus desejos ou pela alteração dos mesmos.

Em minha experiência de 15 anos trabalhando com dependentes, é muito corriqueira a resposta dada pelos pacientes, durante a entrevista inicial ou acolhimento sobre seus objetivos durante o tratamento; eles querem PARAR. Esse objetivo é respeitado, mas durante o tratamento, muitos deles percebem que há uma nova forma de lidar com a dependência, sem precisar fazer este corte radical, mesmo porque, devemos lembrar que a substância que o paciente usa tem uma enorme função em sua vida. Ela vira, na maioria dos casos, tudo o que a pessoa tem, uma vez que as perdas sociais, afetivas e ocupacionais são frequentes e enormes.

Além da RD entrar como uma forma “prática” se pensarmos em redução ou substituição do consumo, temos que pensar na recuperação de situações que proporcionavam prazer antes da droga e na conquista de novidades para a vida. De uma forma simples, estamos com foco na qualidade de vida e lado a lado com a política de RD; se o indivíduo retomar sua paixão por esportes, por exemplo, e não fizer o uso de substâncias durante meia hora de caminhada diária, já podemos considerar esta mudança como um ganho, pois ele estaria meia hora daquele dia sem usar a substância.

Para exemplificar, ilustrarei com a passagem de um caso, outro exemplo de RD: Sra. A., aproximadamente 60 anos. Dependente de álcool. Comprava bebida alcoólica no boteco e bebia rapidamente, para que não fosse vista por ninguém. Assim, sentia a necessidade de comprar mais e beber mais, pois o prazer estava no “beber”, e como bebia rápido, logo sentia falta. Ficava rapidamente intoxicada. Junto a ela, pensamos que seria menos danoso se ela colocasse sua bebida em uma outra garrafa que não fosse característica de bebida alcóolica e que fosse bebendo devagar.

Sobre a autora:

É psicóloga, especialista em abordagem junguiana pelo COGEAE-PUCSP e em Dependências pelo PROAD-UNIFESP. Ampla experiência (15 anos) em saúde mental, lidando com pessoas dependentes de substâncias psicoativas e demais doenças psíquicas. Atende por vídeo-chamada no Zenklub.