Aquele não tinha sido um bom dia. Era nisso que eu pensava enquanto aguardava o atendimento médico no posto de saúde numa noite de sábado. Meu joelho estava sangrando profusamente, o braço esquerdo ralado e o orgulho tinha se perdido em algum lugar durante o trajeto. Gotas de suor frio escorriam pelas minhas costas. Pensei seriamente em sair correndo (ok, mancando) e fugir dali. Eu estava apavorada. Meu medo se resumia a uma palavra: enfermeira.

Eu sei que você está me julgando agora. Talvez até esteja se perguntando o que esse texto está fazendo aqui (calma, chegarei lá). Se eu adicionar o fato de que tinha 19 anos quando isso ocorreu, quase posso ouvir risadas se formando. Já estava na faculdade, a alguns semestres de ser psicóloga e, também, tratar fobias alheias. Nada disso vinha à mente. Eu estava com medo. Sempre tive pavor de enfermeiras. É uma daquelas sensações irracionais das quais nem vale a pena discorrer.

Fui chamada e entrei na sala. Lembro até hoje da cor verde clara nas paredes e da maca bege no canto. A enfermeira pediu que eu me deitasse e assim o fiz. Enquanto analisava os ferimentos ela começou a conversar comigo, perguntar como eu tinha realizado tal proeza. Não me lembro de responder (sei que o fiz), mas sim da crise de risos que teve inicio e acabou apenas quando saí da sala. Eu ria de forma incontrolada. Todo o processo não deve ter levado mais de 20 minutos e eu estava fora da sala, com o joelho enfaixado e tratado e cansada de tanto rir.

O medo do que faz bem

Alguns anos se passaram desde que aquilo aconteceu. Desse episódio tenho as lembranças e uma queloide no joelho. Porém, algumas vezes, associo isso com algo que vejo no consultório e também comigo: medo do que nos faz bem. Sim, temos medo do que nos faz bem. Não estou falando aqui apenas da aversão das crianças aos vegetais ou o desconforto que faz as pessoas evitarem visitas aos dentistas. Estou falando do medo na sua forma mais clássica. Aquele que nos paralisa, nos faz rir e chorar, omitir fatos ou versões para que possamos preservar o estado atual das coisas.

Talvez por ignorância, alguns o fazem. Porém vou me deter num aspecto muito mais simples: dói. Isso mesmo, dor. Associamos dor como algo unicamente negativo. Queremos evitá-la a todo custo (ou vai dizer que apenas eu ando com esse tipo de medicamento na bolsa?). Voltando a minha história, se eu tivesse fugido do posto naquele dia, provavelmente teria ido ao hospital dias depois com uma infecção. Meu ferimento estava sujo, precisava ser limpo e depois tratado. Não havia alternativa. Um pouco de dor fazia parte daquele processo. Eu teria que suportar.

Do que isso difere dos machucados emocionais? Bom… Eles não sangram, não são visíveis, mas nem por isso não “infeccionam”, “inflamam” ou “causam mais doenças”. Estamos tão acostumados a ignorar ou tomar sedativos que ignoramos que a dor é inerente ao processo de transformação e de cura. Muitos pacientes querem “fugir” da terapia quando começamos a trabalhar aspectos dolorosos de sua vida. Os que ficam experimentam dor, mas depois a paz de espírito. Se doer muito, adicionamos o medicamento (por que não?). Não se trata de usar curativos em lugares onde precisamos de pontos, mas sim de tratar e buscar qualidade de vida. Não tenha medo de limpar suas “feridas”, você terá apenas a cicatriz e uma história para contar.

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